A cólera, também conhecida como cólera asiática, é uma infecção intestinal aguda causada pela endotoxina da bactéria Vibrio cholerae, transmitida pela ingestão de água ou alimentos contaminados1. Tem um curto período de incubação e causa uma diarréia maciça. Seu nome deriva do hebraico e significa doença maligna. Na Índia, onde o primeiro relato conhecido data de 1563, chama-se mari=doença mortal 8. No Brasil como em outros países é de notificação compulsória 1. O Vibrio cholerae, também conhecido como vibrião colérico, é um bastonete Gram negativo encurvado em forma de vírgula, móvel (com flagelo polar), aeróbio ou anaeróbio facultativo, oxidase e catalase positivas, identificado pela primeira vez pelo anatomista italiano Filippo Pacini (1812-1893), em 1854 5, 1. Atualmente, são conhecidos 2 biotipos do V.cholerae: o O1 ou El Tor (sorotipos Inaba, Ogawa ou Hikogima) e o O139 ou Bengala, que emergiu em proporções epidêmicas na India e em Bangladesh 1, 3. Podem ser diferenciados antigenicamente pelo lipopolissacarídio da parede celular (antígeno O) em 01 e 139, que são as cepas produtoras de toxina, associadas às epidemias e pandemias. A cepa O1 recebe também a denominação de clássica e foi responsável pelas 6 primeiras pandemias. As cepas que não reagem aos antissoros O1 e 139 são classificadas como não-O1/não-139. A sétima pandemia introduziu uma nova cepa O1 que recebeu a denominação de El Tor 6, 4. A doença é consequência da ação das enterotoxinas produzidas pelas bactérias sobre as células epiteliais do intestino delgado, provocando desequilíbrio hidroeletrolítico 4. Dentre as doenças diarreicas a cólera tem um lugar de destaque pela intensidade de sintomas e profusão de perda líquida que pode levar o doente rapidamente à desidratação. As fezes assumem um aspecto líquido esbranquiçado ou incolor conhecido como água de arroz, a perda líquida pode chegar até um litro por hora durante várias horas. Apesar da sede, o doente não consegue reter água no estomago 4. A bactéria pode estar presente nas fezes por um período de 7 a 14 dias. Na maioria dos casos de diarreia os sintomas são fracos ou moderados, mas em 20% dos casos que desenvolvem a cólera típica, os sinais de desidratação são moderados ou graves 1. Os vibriões têm como habitat principal águas salobras ou águas marinhas e as pessoas se contaminam ingerindo água ou alimentos contaminados, como frutos do mar, crus ou cozidos inadequadamente. Os bacilos penetram no organismo humano por via oral e, após ultrapassarem a barreira gástrica, colonizam o intestino delgado produzindo a toxina colérica, seu principal fator de virulência 4. As três primeiras pandemias ocorreram de 1817 a 1823, de 1829 a 1851 e de 1852 a 1859, a doença acompanhou o deslocamento humano pelas vias marítimas e das caravanas, da Ásia espalhou-se pela Europa e prosseguiu seu curso para as Américas através de contatos terrestres e marítimos. O Brasil foi atingido pelas 2ª (1855) e 3ª pandemias (1993) 7, 2. A cólera tornou-se endêmica entre as populações da Ásia e o desconhecimento das causas da infecção até o final do século XIX dificultou qualquer medida realmente eficaz 7, 2. O avanço no conhecimento científico com a compreensão da etiologia da doença, por Pacini em 1854, foi crucial para a adoção de medidas preventivas mais eficazes, como o estabelecido pelo médico inglês John Snow (1813-1858) em Londres, Inglaterra 5. O Dr. Snow identificou a cadeia de transmissão do surto de cólera em Londres, também em 1854, após estudar em detalhes as diferentes fontes de abastecimento de água e demonstrou que as águas contaminadas por lixo e dejetos humanos causavam mais casos de cólera e mais mortes. A adoção em Londres de suas recomendações sanitárias eliminou a cólera das cidades inglesas que adotaram esse sistema 5. A 4a, 5a e 6a pandemias ocorreram em 1863-1879 (Índia e Estados Unidos), 1881-1896 (Índia, Ásia, Europa), 1899-1923 (Índia, Ásia). A sétima pandemia foi de 1961 a 1975, começou na Indonésia, seguiu para Bangladesh em 1963, na Índia em 1964 e na União Soviética em 1966. Atingiu a America Latina pelo litoral peruano chegando ao Brasil e outros países da America do Sul. Durante esta pandemia os primeiros casos surgiram no Brasil em abril de 1991, no Estado do Amazonas e apresentou um pico epidêmico em 1993, com 60.340 casos 1. A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que ainda haja 100.000 casos de cólera e acima de 1900 mortes por ano 9. Entre os anos de 2000 e 2008, houve uma redução significativa no número de casos e óbitos por cólera no Brasil, registraram-se nesse período 766 casos e 20 óbitos, todos na região Nordeste e o estado de Pernambuco liderou o número de registros (511 casos e 12 óbitos) 1. O homem é o único reservatório do V. cholerae e as causas facilitadoras são o ambiente sócio-econômico desfavorável, precariedade no saneamento, higiene individual e coletiva e por fim, os fatores climáticos que aumentam as possibilidades de transmissão 8. Referências utilizadas:
- BRASIL. Manual Integrado de Vigilância Epidemiológica da Cólera, Ministério da Saúde, Departamento de Vigilância Epidemiológica, 2ª edição revista, Brasília, D.F., 2010.
- COLWELL RR. Global Climate and Infectious Disease. The Cholera Paradigm, Science, 274, 1996
- FINKELSTEIN RA. Cholera, Vibrio cholerae O1 and O139, and Other Pathogenic Vibrios. In: Baron S, editor. Medical Microbiology. 4th edition. Galveston (TX): University of Texas Medical Branch at Galveston; 1996. Chapter 24. Disponível em: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK8407/ acesso 06/11/2013
- POMMERVILLE JC. Alcamo’s Fundamental’s of Microbiology, 9th ed. 2011, 805p
- ROONEY A. A história da Medicina – Das primeiras curas aos milagres da medicina moderna. 2013. São Paulo. M.Booksdo Brasil Editora Ltda
- SALYERS AA e WHITT DD. Bacterial Pathogenesis, 2a ed. ASM PRESS, 2002, p 363-380
- SANTOS LAC. Um século de cólera: Itinerário do medo. PHYSIS – Revista de Saúde Coletiva. 4 (1): 79-110, 1994
- VIEIRA JM. Cólera. In: Veronesi, R. Doenças infecciosas e parasitárias. Rio de Janeiro: Editora Guanabara-Koogan, 1991, p. 417-426
- World Health Organization. http://www.who.int/topics/cholera/en/ acesso em 07/11/2013