A ancilostomíase é uma doença parasitária que ocorre em mamíferos (cães, gatos e seres humanos) e causa infecção intestinal, provocada por vermes (ou helmintos) nematódeos da família Ancylostomidae. No ser humano, é conhecida popularmente como “amarelão” pelo aspecto amarelado da pele do indivíduo parasitado. Esse aspecto amarelado deve-se à anemia provocada pelo hematofagismo (sucção do sangue) dos parasitos adultos nas paredes do intestino delgado e às hemorragias relacionadas.
Os ovos dos ancilostomídeos contidos nas fezes dos indivíduos contaminados e depositados no solo, tornam-se embrionados. Em condições favoráveis de umidade e temperatura, as larvas se desenvolvem até chegar ao 3º estágio, tornando-se infectantes em um prazo de 7 a 10 dias 3. A infecção humana ocorre por penetração cutânea (principalmente pela pele das extremidades inferiores) das larvas filarioides infectantes ou por via oral (água ou alimentos contaminados). Através da circulação sangüínea, elas chegam aos capilares pulmonares, atravessam a parede alveolar, sobem com as secreções mucosas da árvore brônquica até a laringe e a faringe (onde se alimentam de bactérias associadas à matéria orgânica) e, deglutidas, vão ter ao intestino, onde ocorrem as últimas ecdises e transformação final em vermes adultos, machos e fêmeas que produzirão até ao final de 6 a 7 semanas, milhares de ovos por dia. Os adultos se fixam através de ganchos da sua extremidade anterior e sugam as células teciduais e o sangue, de maneira contínua 5. Os ancilóstomos podem consumir mais de 1 ml de sangue do hospedeiro, por dia. De maneira geral, a relação entre a intensidade do parasitismo e o volume de sangue perdido por dia pode ser de cerca de 2 a 3ml de sangue para cada 100 ovos/grama de fezes 5.
A ação dos parasitos geralmente desencadeia um processo patológico de curso crônico, mas que pode resultar em consequências até fatais, principalmente devido a anemia provocada pelo parasitismo intestinal. Geralmente, os sintomas são diarréia sanguinolenta e anemia. Apresentações clínicas importantes, como um quadro gastrointestinal agudo caracterizado por náuseas, vômitos, diarreia, dor abdominal e flatulência, também podem ocorrer. A doença ocorre, preferencialmente, em crianças com mais de 6 anos, adolescentes e indivíduos mais velhos, independente da idade. Em crianças com parasitismo intenso, podem ocorrer hipoproteinemia e atraso no desenvolvimento físico e mental. Com frequência, dependendo da intensidade da infecção, acarreta anemia ferropriva, não havendo fator hemolítico envolvido. Nos casos de infecções leves, a doença pode apresentar-se assintomática 4. No Brasil, predomina nas áreas rurais, estando muito associada a áreas sem saneamento e cuja população têm o hábito de andar descalças 3.
Dentre as mais de 100 espécies de ancilostomídeos descritas, apenas três são agentes etiológicos das ancilostomíases humanas: Ancylostoma duodenale (Dubini, 1843), Necator americanus (Stiles, 1902) e Ancylostoma ceylanicum (Loss, 1911). Um quarto ancilostomideo, o Ancylostoma braziliense, ocorre frequentemente em gatos, mas pode infectar o ser humano ficando restrito às camadas dérmicas da pele, quando é conhecido popularmente como “bicho-geográfico” 4.
Infecções por ancilostomídeos têm sido associadas aos seres humanos no Velho Mundo por mais de 5.000 anos, mas ainda há controvérsias sobre a sua introdução nas Américas 2. No Brasil, o médico e naturalista alemão Willem Pies, que participava da expedição do conde holandês Maurício de Nassau no Brasil (século XVII), assinalou epidemias de uma doença caracterizada por perturbações intestinais, fraqueza e anemia que conduzia por vezes à hidropsia e que era frequente entre os escravos, possivelmente a ancilostomíase 5. Se foram os escravos africanos ou os europeus que trouxeram os vermes, não se sabe, porém, a sua disseminação ficou mais facilitada devido ao hábito dos escravos andarem descalços.
Já no curso dos séculos XVIII e XIX os médicos a diagnosticaram por toda parte nos países tropicais e em certas regiões temperadas da América, da Europa e norte da África, assim como na Ásia e nas ilhas do Pacífico. Deve-se ao médico italiano Angelo Dubini, em 1838, a primeira descrição detalhada do verme, alem do nome Ancylostoma duodenale, mas ele não chegou a estabelecer sua relação com a anemia, visto que a causa mortis era geralmente outra. Coube aos médicos parasitologistas alemães Wilhelm Griesinger (1854) e Theodor Maximilian Bilharz (1853) o mérito de associar a presença e a ação dos ancilóstomos à doença, no Egito. Otto Wucherer (1886) e outros médicos, no Brasil, confirmaram os trabalhos de Bilharz. A partir de 1878, o diagnóstico da ancilostomíase tornou-se fácil e preciso, graças aos trabalhos do médico e zoólogo Giovanni Battista Grassi junto com os irmãos veterinários Parona (Ernesto e Corrado)na Itália, que descreveram os ovos e os primeiros estágios larvais do Ancylostoma, facilitando o diagnóstico da doença que até então se baseava na presença dos vermes 5, 1. O Necator americanus foi descrito mais de 50 anos após a descrição do A. duodenale (1902), pelo zoólogo americano Charles Wardell Stiles 5.
A ancilostomíase humana, geralmente negligenciada, tem grande importância em saúde no mundo. Estima-se em cerca de 900 milhões de pessoas parasitadas por A. duodenale e N.amencanus, e que desta população, 60 mil morrem, anualmente. No Brasil, a ancilostomíase é mais freqüente por N. americanus e os mais recentes inquéritos coprológicos feitos na década de 80, permitiram avaliar que ainda permanece alarmante em algumas regiões 4.
Não é doença de notificação compulsória, entretanto, os surtos devem ser notificados aos órgãos de saúde locais. Para as medidas de controle são indicadas atividades de educação em saúde com relação a hábitos pessoais de higiene, particularmente o de lavar as mãos antes das refeições e o uso de calçados. Além de evitar a contaminação do solo mediante a instalação de sistemas sanitários para eliminação das fezes, especialmente nas zonas rurais (saneamento) e, o tratamento das pessoas infectadas 3.
Referências utilizadas:
- AMICI RR. The history of Italian parasitology. Veterinary Parasitology 98, 3–30, 2001.
- COX FEG. History of Human Parasitology. Clin Micorb Rev 2002 15(4): 595-612.
- Ministério da Saúde. BRASIL. Doenças infecciosas e parasitárias. Guia de bolso. 8a edição revista. 2010.
- NEVES DP. Parasitologia Humana. 11a ed. São Paulo. Atheneu. 2005.
- REY L. Um século de experiência no controle da ancilostomíase. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, 34(1):61-67, 2001.