A primeira epidemia de febre-amarela conhecida no Brasil foi a que irrompeu em Recife em 1685, século XVII, quando o Brasil ainda era uma colônia de Portugal. Em seguida à capitania de Pernambuco vieram os primeiros casos em Salvador (capitania Baía de Todos os Santos), registrados a partir de 4 de abril de 1686, denominados na época de tifo icteróide e popularmente, “bicha”. Durante pelo menos 7 anos a epidemia foi de uma força tal que, segundo a descrição de Odair Franco, ex-coordenador do Combate à Febre Amarela no Brasil (Diretoria Nacional de Endemias Rurais – Ministério da Saúde), as casas ficaram cheias de moribundos, as igrejas de cadáveres, as ruas de tumbas, sendo inútil para os doentes os remédios administrados 3.
Neste periodo dominava na classe médica a teoria miasmática na qual se acreditava que as doenças vinham de algo exterior e entravam no corpo 2, como o ar viciado pelos astros, principalmente pelo eclipse do sol e da lua 3. Apesar dessas crenças, e embora utilizando bases técnicas equivocadas, foram adotadas as medidas profiláticas estabelecidas pelo médico português João Ferreira da Rosa na Capitania de Pernambuco. Doentes foram isolados, casas, cemitérios, portos e ruas foram limpos. Essa campanha de 1691 lançou as bases do modelo das estratégias de vigilância e controle que se seguiriam e pode ser considerada a primeira campanha profilática que se tem conhecimento nas Américas 2. Não se permitiria o desembarque de pessoa alguma no Reino antes da visita das autoridades sanitárias, a quem se faria constar o estado de saúde com que ficavam as Capitanias de que vêm as ditas frotas (Carta de 1690) 3.
Após 1692, a febre amarela deixou de se apresentar sob a forma epidêmica e foi relegada a um plano secundário e quase esquecida durante mais de um século 3.
Em setembro de 1849 nova epidemia se iniciou em Salvador atribuida à chegada do navio americano Brazil procedente de Nova Orleans (EUA), onde a febre amarela estava ocorrendo, e que havia feito escala em Havana (Cuba), porto também infectado. Embora dois de seus tripulantes tivessem morrido de febre amarela durante a viagem, como o capitão apresentou Carta de Saúde limpa, foi realizado o desembarque sem problema 3.
Naquela época, com receio do cólera-morbo, as medidas de vigilância portuária eram severas, mas visavam especialmente os navios procedentes da Europa. No mês de outubro três pessoas já haviam falecido como suspeita de febre-amarela e em novembro a epidemia alastrou-se pela cidade. No dia 30, o médico inglês John Ligertwood Paterson confirmou para as autoridades da província o diagnóstico clínico da doença, já indicado pelo médico canadense George Edward Fairbanks 18 dias antes 3. Mesmo assim, houve muitos protestos da classe médica desacreditando o diagnóstico dos médicos Paterson, Wucherer e outros. O Conselho de Salubridade Pública foi convocado pelo presidente da província Francisco Alves Martins, cujo parecer foi contrário à reintrodução da febre amarela na província 3. Enquanto isso a doença se alastrava e só foi oficialmente admitida 2 meses depois de diagnosticados os primeiros casos e após a publicação na imprensa de um protesto veemente do Dr. Otto Wucherer em 17 de janeiro de 1850 contra o Conselho de Salubridade 3, após centenas de mortes, incluindo a esposa do Dr. Wucherer. Só então uma comissão médica composta por Vicente Ferreira de Magalhães e Salustiano Ferrreira Souto emitiu um parecer, em 19 de janeiro de 1850, admitindo a epidemia 5. Em março de 1850 foi instituida a segunda campanha contra febre amarela no país e a partir de então o curso epidêmico diminuiu e houveram casos esporádicos de 1851 a 1853, apesar de haver relatos de que 1.837 doentes de febre amarela foram atendidos no Hospital de Isolamento Monte Serrat (atual Hospital Couto Maia) entre 1853 e 1859 3.
O primeiro relato internacional que contestava a idéia de febre amarela como doença contagiosa foi feito por um médico da Ilha de Cuba, Juan Carlos Finlay, em 1881. Ele trabalhava na cidade de Havana e tinha observações cuidadosas que mostravam ser necessário um doente, uma pessoa susceptível e um agente transmissor que não dependia de qualquer um dos dois outros para poder transmitir a febre amarela. Ele associou o surgimento da febre amarela à presença do mosquito Aedes aegypti (em seus escritos, Stegomyia fasciens). No entanto, suas idéias foram ignoradas por falta de evidências científicas 4. Somente em 1901 uma comissão de médicos norte-americanos (Comissão Reed), nomeada para estudar as causas da febre amarela e encontrar meios de conter a epidemia que atingia duramente os soldados norte-americanos em Cuba, confirmou que a febre amarela só é transmitida na natureza pela picada do mosquito Aedes aegypti previamente infectado 4.
Quase trinta anos depois, em 1927, quando o desenvolvimento das ciências biomédicas possibilitou maiores conhecimentos sobre os vírus, a origem da febre amarela foi esclarecida. Foram médicos da Fundação Rockefeller e do Instituto Pasteur que, na África ocidental, elaboraram pesquisa de inoculação em macacos e confirmaram que o agente etiológico era um pequeno vírus filtrável 2, atualmente identificado como vírus RNA, um arbovírus do gênero Flavivirus, família Flaviviridae.
A febre amarela foi a primeira doença de notificaçäo obrigatória no Brasil, resultado do trabalho de controle da doença, empreendido por Oswaldo Cruz e do Serviço de Profilaxia da Febre Amarela, no Rio de Janeiro 2 .
A transmissão urbana da febre amarela foi eliminada em 1942. A febre amarela silvestre é no entanto difícil de ser erradicada devido ao seu ciclo natural entre os primatas nas florestas tropicais. No período de 1980 a 2004, foram confirmados 662 casos de febre amarela silvestre no Brasil, com ocorrência de 339 óbitos, representando uma taxa de letalidade de 51% no período 1.
Referências utilizadas:
- BRASIL. Ministério da Saúde. Sobre a Febre Amarela. Disponível em http://bvsms.saude.gov.br/bvs/febreamarela/historico.php. Acesso 06.01.2014
- COSTA ZGA, ROMANO APM, ELKHOURY ANM, FLANNERY B. Evolução histórica da vigilância epidemiológica e do controle da febre amarela no Brasil, Rev Pan-Amaz Saude, 2(1):11-26, 2011.
- FRANCO, O. A história da febre amarela no Brasil, Ministério da Saúde, Departamento de Endemias Rurais, Rio de Janeiro, 1969.
- LÖWY, I. Vírus, mosquitos e modernidade: a febre amarela no Brasil entre ciência e política [online].Tradução de Irene Ernest Dias. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 2006. 427 p. História e Saúde collection. ISBN 85-7541-062-8. Disponível em http://books.scielo.org.
- REGO JP. Memoria Historica das Epidemias da Febre Amarela e Cholera-Morbo que têm Reinado no Brasil. Publicado no Diario Official do Império do Brasil em março de 1873. Typographia Nacional, Rio de Janeiro,1873